A união estável tornou-se uma forma legítima e amplamente reconhecida de constituição de família no Brasil. Por ser uma alternativa ao casamento formal, ela passou a fazer parte da vida de milhões de brasileiros que optam por viver em convivência duradoura, pública e contínua, sem necessariamente oficializar a relação no cartório. Porém, quando o tema é direito à herança, muitas dúvidas surgem: a pessoa em união estável tem os mesmos direitos que um cônjuge? Há diferença no regime de bens? O parceiro sobrevivente pode ser excluído da sucessão?
Essas questões são comuns — e pertinentes. Afinal, quando ocorre o falecimento de um dos companheiros, a partilha de bens pode se tornar motivo de insegurança jurídica e conflitos familiares. A resposta para essas dúvidas, embora amparada pela legislação e pela jurisprudência, exige atenção a detalhes que podem mudar completamente o desfecho de um processo sucessório.
Neste artigo, vamos esclarecer o que diz a lei sobre o direito sucessório do companheiro em união estável, quais são as condições para que ele tenha direito à herança, o papel do regime de bens e como o planejamento jurídico pode evitar disputas. Também abordaremos decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), que têm influenciado diretamente o entendimento dos tribunais sobre o tema.
O que é união estável segundo a lei brasileira?
De acordo com o artigo 1.723 do Código Civil, união estável é a convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas, com o objetivo de constituir família. Não é necessário registro em cartório para que ela exista, embora a formalização da união traga mais segurança jurídica.
A união estável pode ser heteroafetiva ou homoafetiva, e é reconhecida legalmente com os mesmos efeitos pessoais do casamento, exceto quando a lei faz distinção expressa.
Apesar da proximidade com o casamento, muitos direitos — especialmente no campo patrimonial e sucessório — ainda geram debate nos tribunais. O direito à herança é um desses pontos centrais.
A união estável dá direito à herança?
Sim, a união estável confere ao companheiro sobrevivente o direito à herança, mas esse direito depende de uma série de fatores, como o regime de bens adotado, a presença de outros herdeiros e a comprovação da convivência. A legislação brasileira prevê esse direito, mas sua aplicação pode variar conforme o contexto do caso concreto.
Código Civil
Segundo o Código Civil, no artigo 1.790 (revogado tacitamente pelo STF), o companheiro tinha um tratamento diferenciado em relação ao cônjuge. Ele apenas concorreria à herança em situações específicas, e sua posição era secundária em relação a filhos e ascendentes.
Porém, essa diferenciação foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2017 (RE 878.694). A Corte decidiu que o companheiro em união estável tem os mesmos direitos sucessórios que o cônjuge casado, o que representou uma mudança de paradigma.
O impacto da decisão do STF sobre a herança na união estável
Em 10 de maio de 2017, o STF julgou o Recurso Extraordinário nº 878.694, com repercussão geral, decidindo que é inconstitucional o tratamento desigual entre cônjuges e companheiros no direito sucessório.
O que isso significa na prática?
Significa que, a partir desse julgamento, o companheiro em união estável passou a ter direito à herança nas mesmas condições do cônjuge, inclusive concorrendo com descendentes e ascendentes, conforme o regime de bens adotado.
Antes disso, o artigo 1.790 do Código Civil determinava um tratamento mais restritivo. Após a decisão do STF, aplica-se o artigo 1.829, que trata da ordem de vocação hereditária no casamento:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens, ou se no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
Como o regime de bens afeta o direito à herança
O regime de bens é o fator mais importante para definir como será feita a partilha da herança na união estável. Na ausência de pacto escrito, o regime aplicado é, por padrão, o da comunhão parcial de bens.
Comunhão parcial de bens
O companheiro sobrevivente tem direito à meação dos bens adquiridos onerosamente durante a união. Os bens particulares do falecido são herdados conforme a ordem de sucessão.
Comunhão universal de bens
Todos os bens, adquiridos antes ou durante a união, são comuns ao casal. O companheiro tem direito à metade dos bens e herda a outra parte de acordo com a ordem sucessória.
Separação total de bens
Neste regime, não há meação. O companheiro só terá direito à herança se houver previsão testamentária. Caso contrário, os bens são integralmente repassados aos herdeiros legítimos.
Separação obrigatória de bens
Aplicada em situações previstas por lei (ex: casamento de maiores de 70 anos), essa modalidade também exclui o direito à meação e à herança, salvo disposição contrária.
O companheiro pode ser excluído da herança?
Em geral, não. Se comprovada a existência de união estável e não havendo testamento que o exclua (dentro dos limites legais), o companheiro sobrevivente é considerado herdeiro necessário, assim como os descendentes e ascendentes.
Contudo, é possível que o companheiro:
- Tenha que comprovar judicialmente a existência da união;
- Veja seu direito limitado por ausência de bens comuns, regime de separação ou inexistência de documentação.
Nesses casos, é comum que o parceiro precise ajuizar ação de reconhecimento de união estável post mortem antes de pleitear a herança.
A importância da formalização da união estável
Embora a lei reconheça a união estável mesmo sem registro formal, a ausência de documentos que comprovem a relação pode dificultar muito o processo sucessório.
Por isso, recomenda-se:
- Lavar escritura pública de união estável em cartório;
- Especificar o regime de bens escolhido;
- Registrar o início da convivência;
- Elaborar um testamento, se desejado.
Essas medidas não apenas facilitam o acesso à herança como também evitam longas disputas judiciais entre o companheiro e demais herdeiros.
Planejamento sucessório em união estável
Casais que vivem em união estável devem considerar o planejamento sucessório como forma de garantir tranquilidade e evitar litígios. Entre as medidas possíveis, destacam-se:
- Testamento público ou particular: permite definir a parte disponível da herança (até 50%) para beneficiar o companheiro, mesmo em regimes que não garantiriam esse direito automaticamente.
- Pacto de convivência: documento que define o regime de bens e pode incluir cláusulas patrimoniais.
- Doações em vida com cláusulas de usufruto: forma de antecipar herança sem prejudicar o companheiro sobrevivente.
- Previdência privada e seguros: instrumentos que não entram no inventário e garantem recursos diretos ao beneficiário indicado.
Jurisprudência recente
A jurisprudência tem acompanhado a decisão do STF, mas ainda há divergências em tribunais inferiores, especialmente quando há disputa entre filhos de relações anteriores e o companheiro sobrevivente. Em geral, os tribunais reconhecem a união estável e concedem o direito à herança, desde que comprovada a convivência.
Exemplos:
- TJSP – Apelação Cível: Companheira teve reconhecido o direito à meação e à herança, mesmo sem registro formal da união, com base em testemunhas e provas documentais.
- TJMG – Inventário: Herdeiros tentaram excluir companheiro, alegando ausência de registro, mas o tribunal reconheceu a união estável comprovada por fotos, contas conjuntas e declaração de imposto de renda.
Conclusão
O direito à herança na união estável é garantido pela legislação brasileira, desde que cumpridos certos requisitos. A decisão do STF igualando companheiros e cônjuges em matéria sucessória representa um avanço significativo, mas a segurança jurídica só é plena quando há formalização da união e planejamento patrimonial.
Portanto, quem vive em união estável deve adotar medidas preventivas, como a lavratura de escritura pública, definição de regime de bens e, se necessário, elaboração de testamento. Essas ações protegem não apenas os bens do casal, mas também a dignidade do parceiro sobrevivente. Fale com um profissional capacitado de sua confiança, ou conte com os serviços de nossos advogados especialistas em Direito Sucessório.
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